Nos últimos dias, os brasileiros têm enfrentado uma situação alarmante que reflete diretamente a gravidade da crise climática e ambiental. O cenário de poluição extrema, alimentado por megaincêndios e secas históricas, está transformando o ar de diversas capitais em uma verdadeira ameaça à saúde pública.
Enquanto cidades como Brasília, Porto Velho e Porto Alegre enfrentam uma cortina de fumaça densa, que piora a cada dia, Teresina (PI) surge como um raro exemplo de local onde a qualidade do ar ainda não foi drasticamente afetada.
O cenário devastador de Brasília e Porto Velho
Brasília, a capital do Brasil, há dias é encoberta por uma espessa névoa de fumaça e fuligem. A origem dessa camada cinza é o incêndio criminoso que destruiu mais de 6% do Parque Nacional de Brasília, localizado a poucos quilômetros do centro.
O fogo se espalhou rapidamente, consumindo até áreas subterrâneas, onde queimou matas de galeria do cerrado. Não é apenas a vegetação que sofre, os habitantes de Brasília enfrentam dificuldades para respirar em meio a um ar cada vez mais saturado de poluentes.
A situação em Porto Velho (RO) não é diferente. A cidade, frequentemente envolta em fumaça, lida com os efeitos de megaincêndios na Amazônia.
A estiagem e o desmatamento, que dobraram o número de incêndios na floresta em relação a 2023, fazem com que os mais de 30 mil focos de queimadas registrados apenas nas duas primeiras semanas de setembro lancem uma nuvem tóxica sobre a cidade e seus arredores.
O impacto da fumaça e a chuva preta no sul do país
Mesmo longe dos incêndios, cidades do Sul do Brasil, como Porto Alegre, não estão imunes à poluição. Após enfrentarem fortes chuvas e enchentes nos meses anteriores, os moradores agora se deparam com o fenômeno da “chuva preta”, resultado da fuligem das queimadas que se mistura às nuvens de tempestade.
No dia 13 de setembro, a concentração de partículas finas na capital gaúcha foi 394% superior à média dos últimos sete anos, levando a um aumento drástico na poluição do ar.
O monitoramento do ar e a crise respiratória
De acordo com o Copernicus, programa de monitoramento climático da União Europeia, praticamente todas as capitais brasileiras sofreram com a piora da qualidade do ar em setembro de 2024. Somente Teresina (PI) conseguiu escapar dessa tendência de aumento na poluição.
O serviço monitora a concentração de partículas de material particulado fino PM 2,5 – partículas extremamente pequenas, que quando inaladas podem penetrar profundamente nos pulmões, causando sérios problemas respiratórios.
Os dados são preocupantes. A cidade de São Paulo, por exemplo, alcançou no dia 10 de setembro o título de metrópole com o ar mais poluído do mundo, com 81 microgramas de PM 2,5 por metro cúbico, 15,2 vezes acima do limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em Porto Velho e Rio Branco (AC), os níveis de poluição atingiram recordes, aumentando os problemas de saúde dos moradores.
Os efeitos na saúde e o alerta da OMS
As partículas PM 2,5 são invisíveis a olho nu, mas seus efeitos são devastadores. Quando inaladas, elas penetram nos pulmões e podem alcançar a corrente sanguínea, causando doenças respiratórias e cardiovasculares. Segundo a OMS, o nível “seguro” dessas partículas é de 5 microgramas por metro cúbico.
Entretanto, as medições feitas nas principais cidades brasileiras estão muito além desse patamar, gerando uma verdadeira crise de saúde pública.
Incêndios fora de controle
O impacto das queimadas não é limitado à Amazônia. Campo Grande (MS) foi outra cidade severamente atingida, com o ar chegando a ficar 372% mais poluído que a média no dia 15 de setembro.
A fumaça que tomou a capital sul-matogrossense não veio apenas dos incêndios no Pantanal, mas também das queimadas que assolam a Bolívia, o Paraguai e o Norte do Brasil. A situação se agrava com o aumento das temperaturas e a seca que atinge vastas regiões do país.
Um problema Continental
A crise ambiental não se restringe às fronteiras brasileiras. Em 2024, a América do Sul registrou o maior número de incêndios anuais já observados, ultrapassando o recorde de 2007.
Foram mais de 346 mil focos de queimadas em toda a região, dos quais 180 mil ocorreram no Brasil. A área devastada pelas chamas já soma mais de 224 mil km², equivalente ao estado de São Paulo.
O papel da crise climática
O calor extremo e a seca prolongada, intensificados pela crise climática, são fatores cruciais para essa temporada catastrófica de queimadas e poluição no Brasil. No entanto, especialistas alertam que ações preventivas e uma fiscalização mais rígida poderiam ter minimizado o impacto.
Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, afirmou que o combate às queimadas deveria ser tratado como uma prioridade nacional.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu que o Brasil não estava preparado para a dimensão das queimadas e sugeriu que os incêndios possam ser resultado de ações criminosas organizadas.
Como resposta emergencial, o governo liberou um crédito extraordinário de R$ 514 milhões para combater os efeitos dos incêndios florestais e da seca na Amazônia.
A exceção em meio ao caos
Enquanto as demais capitais brasileiras sofrem com níveis alarmantes de poluição, Teresina, no Piauí, permanece como uma exceção. De acordo com os dados do Copernicus, a cidade não registrou piora na qualidade do ar durante o período de 11 a 18 de setembro, ao contrário do que foi observado no restante do país.
Contudo, essa aparente calmaria não significa que a capital está isenta de riscos, já que a poluição atmosférica pode se espalhar rapidamente com mudanças climáticas e meteorológicas.